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segunda-feira, 19 de março de 2012

DA TAXA DE FUNCIONAMENTO DOS CLUBES RECREATIVOS - BASE DE CÁLCULO - LEGALIDADE - PODER DE POLÍCIA DA MUNICIPALIDADE

                                      O Poder Público Municipal, via de regra, anualmente, estabelece um valor específico para os clubes recreativos para pagamento sobre a rubrica de taxa de funcionamento, como condição para posterior renovação do alvará de funcionamento.

                                      Ocorre que, para o cálculo do valor devido o Poder Público Municipal tem levado em consideração o horário de funcionamento e a área efetivamente utilizada pelo clube recreativo. Na cidade de Uberlândia a Lei nº 4016/83, em seu art. 6º preceitua que a base de cálculo da taxa de funcionamento é devida em função do custo estimado da atividade despendida com o exercício regular do poder de polícia, ou seja, refere-se a área efetivamente utilizada no exercício da atividade, que torna-se objeto de fiscalização pela municipalidade. Em outras palavras, a área aferida do clube recreativo.

                                      O mencionado art. 6º da Lei nº 4.016/83 dispõe que, “verbis”: “A base de cálculo das taxas de polícia administrativa do Município é o custo estimado da atividade despendida com o exercício regular do poder de polícia.”

                                      E, em seguida, o art. 7º do citado diploma legal, preceitua que, “verbis”: “O cálculo das taxas decorrentes do exercício do poder de polícia administrativa será procedido com base nas tabelas anexas, que acompanham cada espécie tributária a seguir, levando em conta os períodos, critérios e alíquotas nelas indicadas.”

                                      Oportuno, no momento, conceituarmos o termo taxa, objeto da presente análise. O doutrinador Hugo de Brito Machado, com a maestria que lhe é peculiar ensina-nos que, “verbis”: Taxa, em síntese, é espécie de tributo cujo fato gerador é o exercício regular do poder de polícia, ou o serviço público, prestado ou posto à disposição do contribuinte. Isto é o que se pode extrair do disposto no art. 145, inciso II, da Constituição Federal e no art. 77 do Código Tributário Nacional.”[1]

                                      O Código Tributário Nacional em seu art. 77 dispõe que, “verbis”: “As taxas são cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição.” (negritamos)

                                      Em sendo assim, tem-se que o fato gerador da taxa está vinculado ao exercício do regular poder de polícia ou da prestação de um serviço ou a mera colocação deste à disposição do contribuinte.

                                      “In casu” interessa-nos entender o que vem a ser o poder de polícia. Este vem disposto no art. 78 do CTN, que assim dispõe, “verbis”: “Considera-se poder de polícia a atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou a abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.”

                                      Deste modo,  exercendo o poder de polícia o Município impõe restrições aos interesses individuais em favor do interesse público, conciliando esses interesses, sendo importante destacar que, em decorrência da abrangência dos conceitos empregados, aquele é ilimitado. Isto é, desde que se possa vislumbrar um interesse público, pode o Município utilizar o seu poder de polícia para protegê-lo.

                                      Já, com relação à base de cálculo das taxas, geralmente estas são estabelecidas em quantias prefixadas, podendo, também, o legislador optar por indicar uma determinada base de cálculo.

                                       Convém mencionar o entendimento do já citado doutrinador Hugo de Brito Machado, sobre a base de cálculo das taxas, vejamos, “verbis”:

 “Embora não se disponha de critério para o exato dimensionamento da maioria das taxas, especialmente daquelas cujo fato gerador é o exercício do poder de polícia, é razoável o entendimento pelo qual o valor da taxa há de ser relacionado ao custo da atividade estatal à qual se vincula. A não ser assim, a taxa poderia terminar sendo verdadeiro imposto, na medida em que o seu valor fosse muito superior a esse custo.

Realmente, a especificidade da taxa reside em que seu fato gerador é uma atividade estatal específica relativa ao contribuinte. Essa idéia de vinculação do fato gerador da taxa a uma atividade estatal específica restaria inteiramente inútil se pudesse o legislador estabelecer critério para a determinação da taxa desvinculado totalmente do custo da atividade estatal á qual diz respeito.

(...)

Assim, portanto, o valor da taxa, seja fixado diretamente pela lei, seja estabelecido em função de algum critério naquela estabelecido, há de estar sempre relacionado com a atividade estatal específica que lhe constitui o fato gerador. Nada justifica uma taxa cuja arrecadação total em determinado período ultrapasse significativamente o custo da atividade estatal que lhe permite existir.” (negritamos)

                                      Com efeito, o valor da taxa deve corresponder ao efetivo custo da atividade exercida pelo Poder Público, ou seja, deve guardar relação com a atividade desenvolvida pelo fisco, não podendo assim guardar relação com bens do contribuinte, que serve de fundamento, tão somente, a tributação de impostos.

                                    Frise-se que, a vedação da identidade de base de cálculo para as taxas e impostos encontra previsão no art. 145, §2º, da Constituição Federal, que assim preceitua, “verbis”: 

Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

(...)

§2º. As taxas não poderão ter base de cálculo própria de impostos.” (negritamos)

                                      Deste modo, para o dimensionamento do montante devido em virtude da taxa, deve-se levar em conta, exclusivamente, o custo efetivo da atividade desenvolvida pelo ente tributante, não sendo possível levar em consideração elementos outros, como por exemplo, o metro quadrado do imóvel do contribuinte.

                                      Sobre o tema colacionamos o entendimento do doutrinador Hely Lopes Meirelles, que ao lecionar a respeito, ensina-nos, “verbis”:

“(...) na sistemática tributária instituída pela Emenda Constitucional 18/65, mantida pela vigente Constituição da República e disciplinada pelo mesmo Código Tributário, é absolutamente impossível atribuir-se à taxa fato gerador ou base de cálculo pertinente a imposto, sem descaracterizá-la como tal, sem transformá-la em imposto adicional ou em implemento indevido. Dessas considerações resulta que a base de cálculo da taxa deverá ser sempre o valor do serviço, real, presumido, estimado ou arbitrado, não sendo admissível, para a fixação do montante do tributo devido, levar em consideração elementos estranhos ao dimensionamento ou quantificação da utilização desse mesmo serviço, como o são os pertinentes aos impostos. Assim, são inconstitucionais as taxas de localização que tomem como base de cálculo o valor locativo ou a área do piso do estabelecimento.”[2] (negritamos)

                                      Destarte, ao nosso entendimento não se coaduna com a natureza do tributo, taxa, o cálculo a partir da área edificada ou efetivamente utilizada pelo contribuinte, na medida em que inexiste correlação entre o serviço efetivado e a prestação cobrada pelo Município.

                                      Frise-se, por oportuno que, entendemos que não existe correlação entre o serviço prestado pelo exercício do poder de polícia e o valor do tributo, que está sendo cobrado em decorrência de fatores totalmente estranhos ao conceito de taxa, já que toma como referência a área efetivamente utilizada.

                                      O critério utilizado pelo Município, como se verifica “in casu”, é ilegal, em nosso entendimento, porquanto deixa de considerar a especificidade dos serviços prestados e a proporcionalidade em relação ao seu custo, na forma como preconizada no citado art. 77 do CTN.

                                      Não obstante, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, julgando casos análogos ao presente, tem entendido, de forma majoritária, que o Município pode instituir a taxa de funcionamento atribuindo como base de cálculo o metro quadrado edificado, ou, efetivamente utilizado pelo contribuinte, não havendo assim, violação do disposto no §2º do art. 145 da CF.

                                      Destacamos alguns julgados do TJMG, senão vejamos:

"Tributário - Taxa de Fiscalização, Localização e Funcionamento - Metragem do imóvel - Fato que não implica inconstitucionalidade diante do art. 145, § 2º, da Constituição Federal. A área física do imóvel, no IPTU, constitui fator concorrente, enquanto, na taxa, representa ela fator único e exclusivo, sendo, portanto, duas situações tributárias distintas em suas origens e em suas finalidades."[3] (negritamos)

"Tributário. Taxa de Fiscalização Localização e Funcionamento. Taxa de Fiscalização Sanitária. A Base de cálculo das referidas taxas não possui identidade com a do IPTU. Legitimidade da cobrança. Em reexame, reforma-se a sentença para considerar legítima a cobrança das referidas taxas, prejudicado o recurso voluntário, com inversão da sucumbência."[4] (negritamos)

“EXECUÇÃO FISCAL - COBRANÇA DE TAXA DE FISCALIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO - FATO GERADOR - OCORRÊNCIA - CONSTITUCIONALIDADE. O Município tem legitimidade para a cobrança da taxa de Fiscalização de Licença e funcionamento. A base de cálculo do imposto é o valor venal, do qual a área do imóvel é componente menor, em comparação com os equipamentos urbanos, por exemplo. A base de cálculo da taxa, à sua vez, é a área do imóvel, que mensura, de forma satisfatória (embora não a ideal), o trabalho exercitado pelo poder de polícia municipal. Se a Administração Pública possui órgão fiscalizador, demonstrativo do exercício regular do poder de polícia e da prestação dos serviços em potencial, é desnecessária a prova de atos específicos, para que a cobrança da taxa de torne legítima. Basta a certeza da existência do aparelho fiscalizador com potencial para o desempenho de suas atividades."[5] (negritamos) 

"TRIBUTÁRIO - DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA - CERCEAMENTO DE DEFESA - NÃO OCORRÊNCIA - TAXA DE LICENÇA DE LOCALIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO - MUNICÍPIO DE MONTE SIÃO - LEI COMPLEMENTAR MUNICIPAL Nº 7/2000 - ILEGALIDADE - BASE DE CÁLCULO - CRITÉRIO DE AFERIÇÃO DA INTENSIDADE E DA EXTENSÃO DO SERVIÇO PRESTADO - ELEMENTO DE CÁLCULO - ADMISSIBILIDADE - INEXISTÊNCIA DE OFENSA AOS ARTIGOS 145, II, E 150, II E IV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E AOS ARTIGOS 77 e 78 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. (...) 2- A taxa é vinculada a serviço público, ou ao exercício do poder de polícia. 3- A jurisprudência tem reconhecido a legitimidade da exigência, anualmente renovável, pelos Municípios, da taxa de licença de localização e funcionamento, pelo exercício do poder de polícia. Lançamento em renovação que é admissível, pois se trata de prestação de serviços de fiscalização que decorrem da própria existência do Estado organizado, competente para o exercício do poder de polícia, em termos de saúde, segurança e tranqüilidade públicas. 4- "Consoante orientação traçada pelo Supremo Tribunal Federal, a cobrança da taxa de localização e funcionamento, pelo Município, prescinde da comprovação da atividade fiscalizadora, face à notoriedade do exercício do poder de polícia pelo aparato da Municipalidade". (STJ- RESP 282474/SP). 5- É legal a mensuração do valor da taxa de localização e funcionamento que, criada por lei, leva em conta na composição da base de cálculo a área do imóvel e o número de máquinas existentes na indústria de malharia. Custo da atividade estatal, do serviço prestado, regularmente definido. 6- A base de cálculo da taxa de Fiscalização e funcionamento, mesmo se valendo da área de imóvel, não pode ser considerada idêntica à do IPTU, já que o valor venal do imóvel, não obstante ter a área como um de seus componentes, nela não se baseia exclusivamente."[6] (negritamos)

                                      Por sua vez, o Superior Tribunal de Justiça ao julgar casos em que havia o questionamento da legalidade da taxa de funcionamento e localização, reconhecia a sua ilegalidade, tendo sumulado a questão conforme a redação da Súmula nº 157, “verbis”: "É ilegítima a cobrança de taxa, pelo Município, na renovação de licença para localização de estabelecimento comercial ou industrial." (negritamos)

                                      Ocorre que, posteriormente o Supremo Tribunal Federal entendeu ser legítima a cobrança da taxa de funcionamento e localização, ensejando, assim, uma reformulação no entendimento do Superior Tribunal de Justiça, que passou a reconhecer a possibilidade da cobrança das sobreditas taxas, conforme denota-se da ementa abaixo transcrita, senão vejamos:

“TRIBUTÁRIO. TAXA DE LOCALIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO. LICENÇA. RENOVAÇÃO. LEGITIMIDADE.
1. É legítima a cobrança da taxa de localização e funcionamento para
a renovação da licença concedida a estabelecimentos comerciais e industriais, em razão do exercício do poder de polícia pelo
município. Precedente do STF e da Segunda Turma.
2. Cancelamento da Súmula 157/STJ (REsp 261.571/SP).
3. Recurso especial provido.” [7]

                                      No mesmo sentido existem julgados do Supremo Tribunal Federal, confira-se:

"MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE. TAXA DE FISCALIZAÇÃO, LOCALIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO. ALEGADA OFENSA AO ART. 145, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO. Exação fiscal cobrada como contrapartida ao exercício do poder de polícia, sendo calculada em razão da área fiscalizada, dado adequadamente utilizado como critério de aferição da intensidade e da extensão do serviço prestado, não podendo ser confundido com qualquer dos fatores que entram na composição da base de cálculo do IPTU, razão pela qual não se pode ter por ofensivo ao dispositivo constitucional em referência, que veda a bitributação. Serviço que, no caso, justamente em razão do mencionado critério pode ser referido a cada contribuinte em particular, e de modo divisível, porque em ordem a permitir uma medida tanto quanto possível justa, em termos de contraprestação. Recurso não conhecido."[8]

                                      Diante ao exposto, conclui-se que, não obstante seja questionável a forma pela qual o Município vem efetuando o cálculo da taxa de funcionamento, vez que toma como parâmetro o metro quadrado efetivamente utilizado pelo clube no exercício das atividades permitidas pela municipalidade, os tribunais do Estado de Minas Gerais, e, superiores, têm entendido que a cobrança, da forma em que é feita pelo fisco municipal está em estrita observância dos dispositivos legais aplicáveis à espécie.

                                      Acrescente-se, ainda, nosso entendimento, como alhures já mencionado, não existe correlação entre o serviço prestado pelo exercício do poder de polícia e o valor do tributo, que está sendo cobrado em decorrência de fatores totalmente estranhos ao conceito de taxa, já que toma como referência a área efetivamente utilizada.






[1] - Curso de Direito Tributário, 17ª edição. Malheiros: São Paulo, 2000, pg. 340.
[2] - Direito Municipal Brasileiro, 4ª edição, Malheiros: São Paulo, pg. 227.
[3] - 2ª CC, Embargos Infringentes n.º 202.007-1, rel. Des. Abreu Leite, j. 16.10.01, "DJ" 23.11.01.
[4] - 2ª CC, Apelação Cível n.º 216.428-3, rel. Des. Murilo Pereira, j. 9.10.01, "DJ" 20.11.01.
[5] - TJMG – Ap. Cível nº 1.0024.02.879433-7/001, rel. Des. Wander Marotta, pub. 28/05/2004.
[6] - Apelação Cível n. 1.0434.05.001275-7/001 - Comarca de Monte Sião - 6ª Câmara Cível do TJMG - Relator: Des. Mauricio Barros - Data do Julgamento: 10/10/2006.
[7] - STJ, REsp. 922853/SP. 2ª Turma. Min. Castro Meira. Data do Julgamento: 27/06/2007.
[8] - RE 220316/MG, Min. Ilmar Galvão, Data do Julgamento: 29/06/01.

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