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sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

DA EXIGÊNCIA DA CNH NOS LOTEAMENTOS FECHADOS - LEGALIDADE

                                      A insegurança existente nos grandes centros urbanos, associada à necessidade de uma qualidade de vida saudável, longe do stress urbano gerado, em sua maioria, pela ausência de um adequado planejamento urbano, ensejaram o desenvolvimento de diversos loteamentos fechados. Estes, para alguns urbanistas, verdadeira figura de exclusão urbanística; para outros, fonte de especulação imobiliária e investimento.

                                      Não obstante todas as considerações feitas acerca de sua funcionalidade urbana, os loteamentos fechados têm sido o meio encontrado por parte da população urbana de garantir à sua família um local seguro, de integração social, e, de convivência harmônica entre os proprietários de imóveis.

                                      Todavia, nos estatutos sociais e sua respectiva regulamentação, das associações de moradores (responsável pela administração do loteamento fechado), tem, com freqüência, a previsão da exigida a apresentação da carteira nacional de habilitação para motoristas, proprietários ou não de imóveis, ao adentrar no loteamento fechado, o que pode ensejar questionamentos sobre a legalidade desta exigência, bem como sobre a responsabilidade por danos causados pelo condutor não habilitado para dirigir, no interior do sobredito loteamento.

                                      Este o objetivo do presente estudo, que apresentamos com as seguintes considerações.

                                      Inicialmente, faz-se necessário para melhor entendimento da questão posta em discussão conceituar a expressão loteamento fechado.

                                    O modo convencional de loteamento é a divisão voluntária do solo em unidades edificáveis (lotes), com abertura de vias e logradouros públicos, na forma da legislação pertinente. Esse loteamento fica sujeito ás normas civis estabelecidas pela União, Código Civil e Lei nº 6.766/79, com a alteração introduzida pela Lei nº 9.785/99 e normas urbanísticas impostas pelo Município na legislação edilícia adequada às peculiaridades locais.

                                    Norte outro, os loteamentos especiais, também conhecidos por "condomínio horizontal" ou "loteamento fechado" vêm sendo implantados sem que haja uma legislação de regência adequada para esse tipo de empreendimento, quer federal ou mesmo local regulamentador de seus aspectos urbanísticos. Esses loteamentos são bem diferentes dos convencionais, na medida em que as áreas de domínio público tem utilização privativa por seus moradores.
                                     
                                 O doutrinador Hely Lopes Meirelles conceituando os denominados loteamentos fechados, ensina-nos que, “verbis”:

“Os loteamentos especiais estão surgindo principalmente nos arredores das grandes cidades visando descongestionar as metrópoles. Para esses loteamentos não há, ainda, legislação superior específica que oriente a sua formação, mas nada impede que os Municípios editem normas urbanísticas adequadas a essas urbanizações. E, tais são os denominados ‘loteamentos fechados’, ‘loteamentos integrados’, ‘loteamentos em condomínio’, com ingresso só permitido aos moradores e pessoas por eles autorizadas e com equipamentos e serviços urbanos próprios, para auto-suficiência da comunidade.”[1] (negritamos)

                                      Por sua vez, o doutrinador José Afonso da Silva, ao lecionar sobre o tema em foco, com a costumeira percuciência leciona que, “verbis”:

“constitui modalidade especial de aproveitamento condominial de espaço para fins de construção de casas residenciais térreas ou assobradadas ou edifícios. Caracteriza-se pela formação de lotes autônomos com áreas de utilização exclusiva de seus proprietários, confinando-se com outras de utilização comum dos condôminos.”[2]

                                      Em assim sendo, pode-se concluir que o loteamento fechado é o parcelamento do solo urbano, feito com fundamento nos preceitos estabelecidos pela Lei nº 6.766/79, tendo por diferencial do chamado loteamento convencional, a associação dos adquirentes dos lotes, por terem objetivos comuns.

                                    O loteamento fechado é aprovado pelos órgãos competentes e acompanhado pelos documentos elencados no art. 18 da Lei nº 6.766/79, é procedido observadas as formalidades legais, o registro do loteamento pelo Oficial Registrador do Cartório Imobiliário da situação do imóvel.

                                    Registrado o loteamento fechado, com fundamento no art. 22 do citado diploma legal, as vias e praças, os espaços livres e as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, passam a integrar o domínio do Município.

                                      Assim dispõe o art. 22 da Lei nº 6.766/79, “verbis”: “Desde a data do registro do loteamento, passam a integrar o domínio do Município as vias e praças, os espaços livres e as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo."

                                      Nesse sentido é o entendimento do doutrinador Elvino Silva Filho, “verbis”:

“(...) o loteamento fechado, apesar de não estar previsto, especificamente, na Lei nº 6.766/79, é forma de parcelamento urbano, que deve ser submetido às disposições desse diploma legal. (...) as vias de comunicação, praças e espaços livres integrantes do ‘loteamento fechado’ passam, desde a data do registro do loteamento, a integrar o domínio do Município.”

                                      Ocorre que, é permitido, por acordo com o Município, que os adquirentes de lotes passem a administrar as áreas de domínio público, v.g., as vias de circulação.

                                    Com efeito, por ato administrativo, ao Município é permitido transferir o uso dos bens de seu domínio aos proprietários dos lotes do loteamento fechado, mediante permissão ou concessão de uso.
                                    Assim, por meio destes dois institutos de Direito Administrativo, portanto, tem o Município os instrumentos necessários para a outorga do uso das vias, das praças e dos espaços livres, dentro do loteamento fechado aos adquirentes dos lotes.

                                    “In casu”, as vias públicas, embora permaneçam como bens públicos, são entregues em concessão de uso para o desfrute exclusivo dos moradores do loteamento fechado.

                                    Este, aliás, o entendimento do doutrinador Toshio Mukai, senão vejamos, “verbis”:

“Por derradeiro, deve ser observado que é possível a idealização de um loteamento fechado (legal) com a interferência do Município. É um loteamento comum, sujeito às regras superiores da Lei nº 6.766/79, mas cujas vias de comunicação e espaços livres são objeto de fechamento, mediante lei municipal, que ao mesmo tempo autorizará o Executivo a outorgar a concessão do direito real de uso à sociedade formada pelos adquirentes de lotes, mediante instrumento público ou particular, onde constarão obrigações da sociedade, visando: a) o fechamento do loteamento com muros apropriados e manter portarias nos acessos principais; b) a urbanização e conservação das vias e praças, inclusive, arborizadas; c) a manutenção de um serviço de limpeza geral conectado com o de lixo publico; d) a facilidade para fiscalização, pelos agentes públicos, das condições das vias e praças e da situação higiênica do ‘loteamento’; e) a rescisão da concessão, automática, na hipótese de desvirtuamento das condições pactuadas.”[3]

                                      Como visto, a permissão, ou a concessão de uso pela Prefeitura Municipal das vias e praças e espaços livres, nos loteamentos fechados, aos proprietários dos lotes, gera para eles a obrigação de mantê-los e conservá-los, além de outras obrigações decorrentes do uso em comum desses espaços livres.

                                      Todavia, vale mencionar que as vias de circulação continuam sendo bens públicos, aplicando-se, desta forma, a legislação de trânsito vigente. O art. 1º “caput” do Código de Trânsito Brasileiro preceitua que, “verbis”: “O trânsito de qualquer natureza nas vias terrestres do território nacional, abertas à circulação, rege-se por este Código.” (negritamos)

                                      Adiante, o §1º do art. 1º do citado plexo normativo, dispõe que, “verbis”: “Considera-se trânsito a utilização das vias por pessoas, veículos e animais, isolados ou em grupos, conduzidos ou não, para fins de circulação, parada, estacionamento e operação de carga ou descarga.” (negritamos)

                                      Por sua vez, o art. 2º “caput” e seu § único do CTB conceituam as vias terrestres, ao assim dispor, “verbis”:

Art. 2º - São vias terrestres urbanas e rurais as ruas, as avenidas, os logradouros, os caminhos, as passagens, as estradas e as rodovias, que terão seu uso regulamentado pelo órgão ou entidade com circunscrição sobre elas, de acordo com as peculiariedades locais e as circunstâncias especiais.

Parágrafo Único. Para os efeitos deste Código, são consideradas vias terrestres as praias abertas à circulação pública e as vias internas pertencentes aos condomínios constituídos por unidades autônomas.” (negritamos)

                                      Destaque-se que, as normas contidas no Código de Trânsito Brasileiro são normas de ordem pública e cogentes, ou seja, são inderrogáveis pela vontade das partes, devendo haver a sua observância irrestrita e incondicional.

                                      O doutrinador Sílvio de Salvo Venosa conceituando as normas de ordem pública e cogentes, ensina-nos, de forma singular, que, “verbis”:

São cogentes as normas que se impõem por si mesmas, ficando excluído qualquer arbítrio individual. São aplicadas ainda que pessoas eventualmente beneficiadas não desejassem delas valer-se.
(...)
As leis de ordem pública são normas a que, em regra, o Estado dá maior relevo, dada sua natureza especial de tutela jurídica e finalidade social. São princípios de Direito Privado que atuam na tutela do interesse coletivo. Seus efeitos e sua conceituação muito se aproximam das normas cogentes, não havendo razão para não aproximarmos os dois institutos.”[4] (destacamos)

                                      Norte outro, o loteamento fechado é administrado por uma Associação de Moradores, com estatuto social regularmente registrado perante ao Cartório de Registro de Títulos e Documentos, regendo-se pelas disposições nele inerentes.

                                      Em sendo assim, a associação de moradores, regularmente constituída, assume a obrigação de fiscalizar o cumprimento das regras de trânsito em vigor, visando a garantia da segurança de seus moradores e terceiros que estejam no interior do loteamento fechado, obrigação esta, decorrente, ainda, da concessão de uso de bens públicos (vias terrestres).

                                      Deveras, as normas de trânsito são aplicáveis às vias terrestres existentes no interior do loteamento fechado, sendo, portanto, de observância obrigatória, porquanto como alhures mencionado são normas de ordem pública e cogentes.

                                      Deste modo, eventual negligência no seu dever de fiscalização poderá ensejar a responsabilização civil da associação de moradores, “ex vi” do disposto no art. 186 do Código Civil, que assim preceitua, “verbis”: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” 

                                      Neste passo, não será ocioso trazer à colação o ensinamento do ilustre doutrinador José de Aguiar Dias, “verbis”: Negligência é a omissão daquilo que razoavelmente se faz, ajustadas as condições emergentes às considerações que regem a conduta normal dos negócios humanos. É a inobservância das normas que nos ordenam operar com atenção, capacidade, solicitude e discernimento.”[5] (negritamos)

                                      Diante ao exposto, conclui-se que, a autorização para ingresso no loteamento fechado por pessoa não portadora de Carteira Nacional de Habilitação poderá ensejar a responsabilização da associação de moradores, na hipótese da ocorrência de danos provocados a proprietários de lotes ou terceiros que estejam eventualmente estejam no interior do loteamento fechado, na medida em que houve negligência no cumprimento do seu dever de fiscalização.

                                      Acrescente-se, ainda, que a associação de moradores é responsável pela utilização, conservação e fiscalização das vias terrestres existentes no interior do loteamento fechado, bens públicos, art. 22 da Lei nº 6.766/79, em que houve a concessão de uso, quando da aprovação do loteamento fechado pelo Poder Público Municipal, aplicando-se às sobreditas vias terrestres as normas do Código de Trânsito Brasileiro.

                                    Deste modo, a fiscalização feita na portaria do loteamento fechado, com a exigência da Carteira Nacional de Habilitação do condutor do veículo, proprietário de lote ou não, é medida legítima e legal, porquanto visa o cumprimento do previsto no Estatuto Social, como ainda um dever intrínseco ao gestor de bens públicos (vias terrestres), não havendo ilegalidade no cumprimento deste mister.


[1] - Direito de Construir, 3ª edição, RT: São Paulo, pg. 124.
[2] - Direito Urbanístico Brasileiro, 2ª edição. Malheiros: São Paulo, 1982, pg. 401
[3] - Direito Urbano-Ambiental Brasileiro. 2ª edição. Dialética: São Paulo, 2002, pgs. 139/140.
[4] - Direito Civil. 3ª edição. Atlas: São Paulo, 2003, pgs.40/41.
[5]- Da Responsabilidade Civil, Vol.I. 7ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 1983, pág. 127.