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quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS - CONTRATOS BANCÁRIOS - MEDIDA PROVISÓRIA 2.170-36/2001 - INAPLICABILIDADE -

                                   A capitalização de juros é um dos temas que, comumente, é objeto de questionamento nas ações de revisão de contratos bancários, em que se questiona a sua legalidade ou não, em periodicidade inferior a anual.

                                   A conceituação de juros simples e compostos está diretamente relacionada com o processo de formação dos juros. Isto é, será simples quando a taxa incidir, tão somente, no valor do principal. E, por sua vez, será composto, quando a taxa incidir sobre o valor do principal e, dos juros que se acumulam em determinado período, v.g., dia, mês ou ano.

                                   Oportuna a lição do eminente doutrinador Pontes de Miranda, que com a percuciência que lhe é peculiar, assim conceitua a capitalização de juros, “verbis”: Dizem-se simples os juros que não produzem juros; juros compostos os que fluem dos juros. Se se disse ‘com os juros compostos de seis por cento’,entende-se que se estipulou que o principal daria juros de seis por cento e sobre esses se contariam os juros de seis por cento ao ano’ (= com capitalização anual)."[1]

                                   A seu turno o doutrinador Bruno Mattos e Silva leciona, “verbis”: “O que são juros simples?Juros simples são aqueles que incidem apenas sobre o principal corrigido monetariamente, isto é, não incidem sobre os juros que se acrescente ao saldo devedor. Vale dizer, assim, que os juros não pagos não constituem a base de cálculo para a incidência posterior de novos juros simples. E o que são juros compostos? Juros compostos são aqueles que incidirão não apenas sobre o principal corrigido, mas também sobre os juros que já incidiram sobre o débito. Como se pode perceber, capitalização dos juros pode, matematicamente, ocorrer mês a mês, semestralmente, ano a ano, etc.”[2]

                                   Em relação à prática do anatocismo, o entendimento consolidado na doutrina e na jurisprudência era no sentido que a capitalização mensal não estava permitida, ainda que houvesse convenção entre as partes contratantes, excetuada as hipóteses específicas previstas em lei, consoante a aplicação das súmulas 121 do Supremo Tribunal Federal e 93 do Superior Tribunal de Justiça, que assim preceituam, respectivamente, “verbis”:


“É vedada a capitalização de juros ainda que expressamente convencionada.”

“A legislação sobre cédulas de crédito rural, comercial e industrial admite o pacto de capitalização de juros.”


                                   Entretanto, após o advento da Medida Provisória nº 1.963-17/2000, atualmente reeditada sob o nº 2.170-36/2001, alguns tribunais pátrio adotaram o posicionamento de que a capitalização mensal de juros nos contratos entabulados posteriormente à data da entrada em vigor da sobredita medida provisória – 31 de março de 2000 – é permitida, desde que esteja expressamente prevista no instrumento contratual.

                                   Nesse sentido tem sido as decisões do Superior Tribunal de Justiça, ao admitir a incidência da capitalização mensal, condicionada a expressa previsão contratual, sob pena de infração ao princípio da informação e da boa-fé objetiva, incidentes tanto nas relações contratuais em geral, como nas relações regidas pelo Código de Defesa do Consumidor.

                                   A respeito, confira-se:

“AGRAVO REGIMENTAL - AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO -    DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU SEGUIMENTO AO RECURSO ESPECIAL.

1- O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp nº 973.827⁄RS, Relª para acórdão Minª Maria Isabel Gallotti, submetido ao procedimento dos recursos repetitivos (art. 543-C do CPC), assentou entendimento de que é permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano em contratos celebrados após 31⁄3⁄2000, data da publicação da Medida Provisória nº 1.963-17⁄2000, em vigor como MP nº 2.170-01, desde que expressamente pactuada.

2 - A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para caracterizar a expressa pactuação e permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada.

3- Agravo regimental provido.”[3] (negritamos)

                                   Como visto, a legalidade da incidência da capitalização mensal dos juros aos contratos bancários está baseada na Medida Provisória nº 2.170-36/2001. Pedimos “venia” para transcrevermos o contido no “caput” do art. 5º do sobredito plexo normativo, “verbis”:  “Nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, é admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano.”

                                   Não obstante toda a argumentação já tecida sobre o tema, torna-se necessário mencionar que a Medida Provisória nº 2.170-36/2001, que tratou da capitalização mensal de juros, se aplica apenas às situações que digam respeito à administração de recursos de caixa do Tesouro Nacional, não podendo ser adotada nas relações privadas das instituições financeiras.

                                   Assim já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, confira-se:

"Com relação à capitalização, existem considerações de duas ordens a serem feitas a respeito da Medida Provisória nº 2.170, 36ª edição. A meu ver, esse é o aspecto importante. A referida Medida Provisória destinou-se a fixar regras sobre a administração de recursos do Tesouro Nacional, não sendo razoável, portanto, a interpretação de que o art. 5º tenha emprego a qualquer aplicação financeira.

(....)

A meu ver, trata-se de Medida Provisória, que foi baixada tendo em vista a regulamentação dos recursos de entidades públicas ligadas ao Tesouro.

(....)

Se o sistema que está regulado pela Medida Provisória diz respeito à administração de recursos de caixa do Tesouro Nacional, nesse sentido mais restrito deve ser examinado, tanto mais porque ainda há esse questionamento à vista do Texto Constitucional em vigor, e que não podemos, a cada momento, interpretar, ora a favor das instituições financeiras, ora de maneira diversa quando se trata de particulares. Com essas observações, entendo que esse dispositivo não tem incidência em aplicação financeira feita por particular."[4] (destacamos)                      

                                   Noutra senda, necessário mencionar a existência da ADI 2.316 interposta pelo Partido Liberal perante o Supremo Tribunal Federal, objetivando a declaração de inconstitucionalidade do “caput” do art. 5º e seu § único, da Medida Provisória 2.170-36/2001, que possibilitou a capitalização mensal de juros.

                                   Convém mencionar que, o relator da aludida ação direta de inconstitucionalidade, Ministro Sidney Sanches, em despacho inaugural acolheu o pedido liminar para declarar a suspensão dos efeitos do mencionado dispositivo, tendo sido acompanhado pelo Ministro Carlos Velloso, sendo certo que o julgamento encontra-se suspenso, para ser retomado com quórum completo.

                                   Lado outro, dispõe o Decreto-lei 22.626/33 em seu art. 4º, “verbis”: É proibido contar juros dos juros; esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos de conta-corrente de ano a ano.”

                                   Ademais, cabe destacar que, a Corte Superior do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, prestando a jurisdição invocada nos autos nº 1.0707.05.100807-6/003, reconheceu a inconstitucionalidade do art. 5º da Medida Provisória nº 2.170-36, de 2001, com decisão publicada no DJe de 30.09.08, com a seguinte ementa:

Incidente de Inconstitucionalidade. Capitalização de juros. Periodicidade. Vedação. Matéria regulada em lei. Disciplina alterada. Medida provisória. Impropriedade. Objeto diverso. Urgência. Inexistência. Sistema financeiro. Matéria afeta a lei complementar. Questão submetida ao Supremo Tribunal Federal. Controle concentrado. Pendência de julgamento. Inconstitucionalidade declarada incidentalmente.”[5]

                                   Sobre o tema, não será ocioso trazer à baila a decisão proferida pela ilustre juíza federal Dra. Lana Lígia Galati, ao decidir a Ação Civil Pública, autos nº 2000.38.03.005242-6, que em relação à capitalização mensal dos juros, assim fundamentou, “verbis”:
 
“Em retorno à questão inicialmente posta, tenho que a medida provisória 1963-21, assim como suas sucessivas reedições, inclusive posteriores à MP 2.170-36/2001, que permite a capitalização mensal dos juros para os contratos celebrados após a sua vigência, é inconstitucional.

Com efeito, entendo que, mesmo havendo autorização contratual para a prática da capitalização mensal dos juros nos contratos de mútuo celebrados após a vigência da aludida medida provisória, esta coloca o fornecedor em desproporcional vantagem econômica em face do consumidor, colidindo com o art. 5º, inciso XXXII, c/c art. 170, V, ambos da Carta da República de 1988 – âmbito da abusividade ou onerosidade excessiva. Afigura-se, também, inconstitucional em face do que dispõe o art. 192 da Carta Magna, vez que as matérias relativas ao Sistema Financeiro Nacional somente podem ser objeto de regulamentação por meio de lei complementar, existindo vedação contida no art. 62, parágrafo 1º, da mesma Carta, de que medidas provisórias versem sobre matérias reservadas à Lei Complementar.

Ademais, as Medidas Provisórias 1963-21 e seguintes carecem do necessário requisito da urgência, pelo que, o veículo normativo em tela é inadequado.

(...)

A inaplicabilidade da referida medida provisória aos contratos de mútuo bancário celebrado entre particulares foi albergada no elucidativo acórdão da relatoria do Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, no REsp. nº 603.643/RS, concluindo S. Exa. que ‘trata-se de medida provisória, que foi baixada tendo em vista a regulamentação dos recursos de entidades públicas ligadas ao Tesouro’. Em arremate consignou S. Exa. ‘[...] o objetivo dessa medida foi específico e, por conseguinte, não é razoável que, em questão de ordem sistêmica, possamos interpretar artigo de seu texto com fim bem determinado e dar-lhe extensão desmedida, tanto mais, porque resulta de uma medida provisória’ (excerto do voto do Ministro).

(...)

Julgo procedente o pedido para declarar a invalidade de toda cláusula em contrato bancário, inclusive realizado por cooperativas de crédito, que autorize a capitalização de juros em período inferior a um ano, em face da inconstitucionalidade do art. 5º da Medida Provisória n 1963-21 e reedições inclusive após a MP 2.170-36/2001, que autorizou a capitalização mensal dos juros em contratos de mútuo bancário celebrados a partir de 31 de março de 2000, data da publicação da Medida Provisória 1.963-17/2000, atualmente reeditada sob o nº 2.170-36/2001.

(...)

Os efeitos desta decisão estão restritos aos limites jurisdicionais desta Subseção Judiciária de Uberlândia/MG.” (negritamos)

                                    Em consequência, há que prevalecer o entendimento anterior, de que a capitalização mensal dos juros é permitida, se prevista, apenas nas cédulas de crédito rural, comercial e industrial.

                                   Nesse sentido, tem decidido o e. TJMG, vejamos:



"PRELIMINAR - FALTA DE INTERESSE DE AGIR - AUTORA - NECESSIDADE E UTILIDADE DO PROVIMENTO PLEITEADO - SÚMULA 286, DO STJ - POSSIBILIDADE DE REVISÃO DE CONTRATO RENEGOCIADO - REJEIÇÃO. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO - CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA CORRENTE - AUSÊNCIA DE PACTUAÇÃO DA TAXA DE JUROS - ENCARGOS INCIDENTES À TAXA DE 12% A. A. - CAPITALIZAÇÃO EM PERIODICIDADE INFERIOR À ANUAL - VEDAÇÃO - RECÁLCULO DA DÍVIDA - QUITAÇÃO, ANTES DA NEGATIVAÇÃO DO NOME DA CLIENTE - DANO MORAL CONFIGURADO. (...) A capitalização de juros, em periodicidade inferior à anual, exceto nas hipóteses expressamente admitidas na legislação, como no caso das cédulas de crédito, é vedada, devendo tal abusividade ser afastada. (...)."[6]

                                   Lado outro, o art. 591 do Código Civil em vigor, em sua parte final preceitua que, “verbis”: “Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização anual.” (negritamos)

                                   Ademais, é cediço que a capitalização mensal de juros enseja evolução exponencial da dívida, onerando de forma excessiva o consumidor, aplicando-se ao caso o disposto no art. 51, § 1º, III, do CDC, c/c a parte final do art. 591 do Código Civil.

                                   Em sendo assim, ao nosso entendimento, em face da decisão exarada pelo Ministro Sidney Sanches na ADI 2.316, em trâmite perante o Supremo Tribunal Federal, a capitalização permitida pelo art. 4º do Decreto 22.626/33, se contratada, é a anual e a capitalização mensal contratada é vedada, em razão da Súmula nº 121 do colendo Supremo Tribunal Federal.

 

 



[1] - Tratado de Direito Privado, 3 ed., Revista dos Tribunais, São Paulo, 1984, v. 24, p. 32.
[2] - Anatocismo legalizado: a medida provisória beneficia as já poderosas instituições financeiras. In: www.direitobancario.com.br, 01/07/2.001.
[3] - STJ, AgRg no AREsp 63478 / SC nº 2011/0242142-5. 4ª Turma. Ministro Relator Marco Buzzi. Data do julgamento: 06/11/2012. Data da Publicação: 14/11/2012.
[4] - STJ, Resp nº 603643/RS, 2ª Turma, rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, j. 22/09/2004.
[5] - TJMG, Arg Inconstitucionalidade 1.0707.05.100807-6/003. Corte Superior. Relator Des. Herculano Rodrigues. Data do Julgamento: 27/08/2008. Data da publicação da súmula: 30/09/2008.
[6] - TJMG, Apelação Cível nº 1.0525.03.021050-0/001. Rel. Des. Mariné da Cunha. Data do Julgamento: 08/03/2007. Data da publicação da súmula: 14/04/2007.