A
capitalização de juros é um dos temas que, comumente, é objeto de
questionamento nas ações de revisão de contratos bancários, em que se questiona
a sua legalidade ou não, em periodicidade inferior a anual.
A
conceituação de juros simples e compostos está diretamente relacionada com o
processo de formação dos juros. Isto é, será simples quando a taxa incidir, tão
somente, no valor do principal. E, por sua vez, será composto, quando a taxa
incidir sobre o valor do principal e, dos juros que se acumulam em determinado
período, v.g., dia, mês ou ano.
Oportuna
a lição do eminente doutrinador Pontes de Miranda, que com a percuciência que
lhe é peculiar, assim conceitua a capitalização de juros, “verbis”: Dizem-se simples
os juros que não produzem juros; juros compostos os que fluem dos juros. Se se
disse ‘com os juros compostos de seis por cento’,entende-se que se estipulou
que o principal daria juros de seis por cento e sobre esses se contariam os juros
de seis por cento ao ano’ (= com capitalização anual)."[1]
A
seu turno o doutrinador Bruno Mattos e Silva leciona, “verbis”: “O que são juros simples?Juros simples são
aqueles que incidem apenas sobre o principal corrigido monetariamente, isto é,
não incidem sobre os juros que se acrescente ao saldo devedor. Vale dizer,
assim, que os juros não pagos não constituem a base de cálculo para a
incidência posterior de novos juros simples. E o que são juros compostos? Juros
compostos são aqueles que incidirão não apenas sobre o principal corrigido, mas
também sobre os juros que já incidiram sobre o débito. Como se pode perceber,
capitalização dos juros pode, matematicamente, ocorrer mês a mês,
semestralmente, ano a ano, etc.”[2]
Em relação à
prática do anatocismo, o entendimento consolidado na doutrina e na
jurisprudência era no sentido que a capitalização mensal não estava permitida,
ainda que houvesse convenção entre as partes contratantes, excetuada as
hipóteses específicas previstas em lei, consoante a aplicação das súmulas
121 do Supremo Tribunal Federal e 93 do Superior Tribunal de Justiça,
que assim preceituam, respectivamente, “verbis”:
“É
vedada a capitalização de juros ainda que expressamente convencionada.”
“A
legislação sobre cédulas de crédito rural, comercial e industrial admite o
pacto de capitalização de juros.”
Entretanto, após
o advento da Medida Provisória nº 1.963-17/2000, atualmente reeditada sob o nº
2.170-36/2001, alguns tribunais pátrio adotaram o posicionamento de que
a capitalização mensal de juros nos contratos entabulados posteriormente à data
da entrada em vigor da sobredita medida provisória – 31 de março de 2000 – é permitida,
desde que esteja expressamente prevista no instrumento contratual.
Nesse sentido
tem sido as decisões do Superior Tribunal de Justiça, ao admitir a incidência
da capitalização mensal, condicionada a expressa previsão contratual, sob pena de
infração ao princípio da informação e da boa-fé objetiva, incidentes tanto nas
relações contratuais em geral, como nas relações regidas pelo Código de Defesa
do Consumidor.
A respeito,
confira-se:
“AGRAVO REGIMENTAL - AÇÃO
REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU SEGUIMENTO AO
RECURSO ESPECIAL.
1- O Superior Tribunal de Justiça, no
julgamento do REsp nº 973.827⁄RS, Relª para acórdão Minª Maria Isabel Gallotti,
submetido ao procedimento dos recursos repetitivos (art. 543-C do CPC),
assentou entendimento de que é permitida a capitalização de juros com
periodicidade inferior a um ano em contratos celebrados após 31⁄3⁄2000, data da
publicação da Medida Provisória nº 1.963-17⁄2000, em vigor como MP nº 2.170-01,
desde que expressamente pactuada.
2 - A
previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da
mensal é suficiente para caracterizar a expressa pactuação e permitir a
cobrança da taxa efetiva anual contratada.
3- Agravo
regimental provido.”[3]
(negritamos)
Como visto, a
legalidade da incidência da capitalização mensal dos juros aos contratos
bancários está baseada na Medida Provisória nº 2.170-36/2001.
Pedimos “venia” para transcrevermos o
contido no “caput” do art. 5º do sobredito plexo normativo, “verbis”: “Nas operações realizadas pelas
instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, é admissível a
capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano.”
Não obstante
toda a argumentação já tecida sobre o tema, torna-se necessário mencionar que a
Medida Provisória nº 2.170-36/2001, que tratou
da capitalização mensal de juros, se aplica apenas às situações que digam respeito à
administração de recursos de caixa do Tesouro Nacional, não podendo ser adotada
nas relações privadas das instituições financeiras.
Assim já
decidiu o Superior Tribunal de Justiça, confira-se:
"Com relação à capitalização, existem
considerações de duas ordens a serem feitas a respeito da Medida Provisória nº
2.170, 36ª edição. A meu ver, esse é o aspecto importante. A referida Medida
Provisória destinou-se a fixar regras sobre a administração de recursos do
Tesouro Nacional, não sendo razoável, portanto, a interpretação de que o art.
5º tenha emprego a qualquer aplicação financeira.
(....)
A meu ver, trata-se de Medida Provisória, que foi baixada
tendo em vista a regulamentação dos recursos de entidades públicas ligadas ao
Tesouro.
(....)
Se o sistema que
está regulado pela Medida Provisória diz respeito à administração de recursos
de caixa do Tesouro Nacional, nesse sentido mais restrito deve ser examinado,
tanto mais porque ainda há esse questionamento à vista do Texto Constitucional
em vigor, e que não podemos, a cada momento, interpretar, ora a favor das
instituições financeiras, ora de maneira diversa quando se trata de
particulares. Com essas observações,
entendo que esse dispositivo não tem incidência em aplicação financeira feita
por particular."[4]
(destacamos)
Noutra senda,
necessário mencionar a existência da ADI 2.316 interposta pelo Partido Liberal
perante o Supremo Tribunal Federal, objetivando a declaração de
inconstitucionalidade do “caput” do art. 5º e seu § único, da Medida
Provisória 2.170-36/2001, que possibilitou a capitalização mensal de
juros.
Convém
mencionar que, o relator da aludida ação direta de inconstitucionalidade, Ministro
Sidney Sanches, em despacho inaugural acolheu o pedido liminar para declarar a
suspensão dos efeitos do mencionado dispositivo, tendo sido acompanhado pelo
Ministro Carlos Velloso, sendo certo que o julgamento encontra-se suspenso,
para ser retomado com quórum completo.
Lado outro, dispõe
o Decreto-lei
22.626/33 em seu art. 4º, “verbis”: “É
proibido contar juros dos juros; esta proibição não compreende a acumulação de
juros vencidos aos saldos líquidos de conta-corrente de ano a ano.”
Ademais, cabe
destacar que, a Corte Superior do Tribunal de Justiça do Estado de Minas
Gerais, prestando a jurisdição invocada nos autos nº 1.0707.05.100807-6/003,
reconheceu a inconstitucionalidade do art. 5º da Medida Provisória nº 2.170-36, de
2001, com decisão publicada no DJe de 30.09.08, com a seguinte ementa:
“Incidente de Inconstitucionalidade.
Capitalização de juros. Periodicidade. Vedação. Matéria regulada em lei. Disciplina
alterada. Medida provisória. Impropriedade. Objeto diverso. Urgência.
Inexistência. Sistema financeiro. Matéria afeta a lei complementar. Questão
submetida ao Supremo Tribunal Federal. Controle concentrado. Pendência de
julgamento. Inconstitucionalidade declarada incidentalmente.”[5]
Sobre
o tema, não será ocioso trazer à baila a decisão proferida pela ilustre juíza
federal Dra. Lana Lígia Galati, ao decidir a Ação Civil Pública, autos nº
2000.38.03.005242-6, que em relação à capitalização mensal dos juros, assim
fundamentou, “verbis”:
“Em
retorno à questão inicialmente posta, tenho que a medida provisória 1963-21,
assim como suas sucessivas reedições, inclusive posteriores à MP 2.170-36/2001,
que permite a capitalização mensal dos juros para os contratos celebrados após
a sua vigência, é inconstitucional.
Com efeito,
entendo que, mesmo havendo autorização contratual para a prática da
capitalização mensal dos juros nos contratos de mútuo celebrados após a
vigência da aludida medida provisória, esta coloca o fornecedor em
desproporcional vantagem econômica em face do consumidor, colidindo com o art.
5º, inciso XXXII, c/c art. 170, V, ambos da Carta da República de 1988 – âmbito
da abusividade ou onerosidade excessiva. Afigura-se, também, inconstitucional
em face do que dispõe o art. 192 da Carta Magna, vez que as matérias relativas
ao Sistema Financeiro Nacional somente podem ser objeto de regulamentação por
meio de lei complementar, existindo vedação contida no art. 62, parágrafo 1º,
da mesma Carta, de que medidas provisórias versem sobre matérias reservadas à
Lei Complementar.
Ademais,
as Medidas Provisórias 1963-21 e seguintes carecem do necessário requisito da
urgência, pelo que, o veículo normativo em tela é inadequado.
(...)
A
inaplicabilidade da referida medida provisória aos contratos de mútuo bancário
celebrado entre particulares foi albergada no elucidativo acórdão da relatoria
do Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, no REsp. nº 603.643/RS, concluindo S.
Exa. que ‘trata-se de medida provisória, que foi baixada tendo em vista a
regulamentação dos recursos de entidades públicas ligadas ao Tesouro’. Em
arremate consignou S. Exa. ‘[...] o objetivo dessa medida foi específico e, por
conseguinte, não é razoável que, em questão de ordem sistêmica, possamos
interpretar artigo de seu texto com fim bem determinado e dar-lhe extensão
desmedida, tanto mais, porque resulta de uma medida provisória’ (excerto do
voto do Ministro).
(...)
Julgo procedente o pedido para declarar a
invalidade de toda cláusula em contrato bancário, inclusive realizado por
cooperativas de crédito, que autorize a capitalização de juros em período
inferior a um ano, em face da inconstitucionalidade do art. 5º da Medida
Provisória n 1963-21 e reedições inclusive após a MP 2.170-36/2001, que
autorizou a capitalização mensal dos juros em contratos de mútuo bancário
celebrados a partir de 31 de março de 2000, data da publicação da Medida
Provisória 1.963-17/2000, atualmente reeditada sob o nº 2.170-36/2001.
(...)
Os
efeitos desta decisão estão restritos aos limites jurisdicionais desta Subseção
Judiciária de Uberlândia/MG.” (negritamos)
Nesse sentido, tem decidido o e. TJMG, vejamos:
"PRELIMINAR - FALTA DE INTERESSE DE AGIR - AUTORA - NECESSIDADE E UTILIDADE DO PROVIMENTO PLEITEADO - SÚMULA 286, DO STJ - POSSIBILIDADE DE REVISÃO DE CONTRATO RENEGOCIADO - REJEIÇÃO. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO - CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO
Lado
outro, o art. 591 do Código Civil em vigor, em sua parte final preceitua
que, “verbis”: “Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os
quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art.
406, permitida a capitalização anual.”
(negritamos)
Ademais,
é cediço que a capitalização mensal de juros enseja evolução exponencial da
dívida, onerando de forma excessiva o consumidor, aplicando-se ao caso o
disposto no art. 51, § 1º, III, do CDC, c/c a parte final do art. 591 do Código
Civil.
Em sendo
assim, ao nosso entendimento, em face da decisão exarada pelo Ministro Sidney
Sanches na ADI 2.316, em trâmite perante o Supremo Tribunal Federal, a capitalização
permitida pelo art. 4º do Decreto 22.626/33, se contratada, é a anual e a capitalização
mensal contratada é vedada, em razão da Súmula nº 121 do colendo Supremo
Tribunal Federal.
[2] - Anatocismo legalizado: a medida provisória beneficia as já
poderosas instituições financeiras. In: www.direitobancario.com.br, 01/07/2.001.
[3] - STJ, AgRg no AREsp 63478 / SC nº 2011/0242142-5.
4ª Turma. Ministro Relator Marco Buzzi. Data do julgamento: 06/11/2012. Data da
Publicação: 14/11/2012.
[4] - STJ, Resp nº 603643/RS, 2ª Turma, rel.
Min. Antônio de Pádua Ribeiro, j. 22/09/2004.
[5] - TJMG, Arg Inconstitucionalidade 1.0707.05.100807-6/003. Corte Superior.
Relator Des. Herculano Rodrigues. Data do Julgamento: 27/08/2008. Data da
publicação da súmula: 30/09/2008.
[6] - TJMG, Apelação Cível
nº 1.0525.03.021050-0/001. Rel. Des. Mariné da Cunha. Data do Julgamento:
08/03/2007. Data da publicação da súmula: 14/04/2007.