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sexta-feira, 30 de março de 2012

DAS DOAÇÕES ENTRE ASCENDENTES E DESCENDENTES (AVÓS E NETOS) - REQUISITOS - LEGALIDADE

                                      Inicialmente, faz-se necessário para melhor entendimento da questão posta em discussão conceituar o instituto da doação.

                                    O contrato de doação implica na transferência gratuita por parte de um titular de patrimônio para outra pessoa, ainda em vida. Trata-se de uma liberalidade, um ato gracioso executado pelo proprietário de bens, no exercício do poder de disposição de seu patrimônio.

                                    O art. 538 do Código Civil conceitua a doação como sendo, “verbis”: “Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra.”
                                     
                                      Assim, a doutrina tem entendido que a doação tem como características a natureza contratual, o ânimo de fazer uma liberalidade, a translação de algum direito do patrimônio do doador para o donatário e a aceitação deste.

                                      Estando definido o instituto da doação, necessário se faz a análise da situação fática posta sob análise, qual seja, a doação de ascendentes à descendentes (filhos e netos).

                                      Sobre o tema, o art. 544 do Código Civil assim preceitua, “verbis”: “A doação de ascendentes a descendentes, ou de um cônjuge a outro, importa adiantamento do que lhes cabe por herança.”

                                    Conforme os ditames do art. 544 do Código Civil, a doação feita por ascendentes a descendentes tem efeito de adiantamento de legítima ou de herança. Destarte, o descendente que recebe bens de seu ascendente direto, a título gratuito, deverá colacioná-los no inventário do doador, para que tal patrimônio recebido seja descontado da parte cabível no monte hereditário.

                                    Assim dispõe o art. 2.002 do Código Civil, “verbis”: “Os descendentes que concorrerem à sucessão do ascendente comum são obrigados, para igualar as legítimas, a conferir o valor das doações que dele em vida receberam, sob pena de sonegação.” (negritamos)

                                    E, no parágrafo único do dispositivo legal em comento, tem-se, “verbis”: “Para cálculo da legítima, o valor dos bens conferidos será computado na parte indisponível, sem aumentar a disponível.”

                                    Colação é sinônimo jurídico de conferência de bens no processo de inventário e a sua finalidade é obter a igualdade das legítimas, em face do sistema jurídico sucessório de proteção a herança que compete aos herdeiros necessários.

                                    Entretanto, o dever de colacionar bens, admite exceções. É o que pode se concluir da leitura do art. 2.005 “caput” e seu parágrafo único, do Código Civil, “verbis”:

“Art. 2.005 – São dispensadas da colação as doações que o doador determinar saiam da parte disponível, contanto que não excedam, computado o seu valor ao tempo da doação.

Parágrafo único. Presume-se imputada na parte disponível a liberalidade feita a descendente que, ao tempo do ato, não seria chamado à sucessão na qualidade de herdeiro necessário.” (negritamos)

                                    Desta forma, em face dos dispositivos legais acima mencionados, forçoso concluir que, atualmente, a doação feita a netos, cujos pais sejam herdeiros da doadora, além de não caracterizar adiantamento de herança, não necessita ser colacionada nos autos do inventário do doador, visando à prestação de contas aos demais herdeiros.

                                    Este aliás, o ensinamento do insigne doutrinador Sílvio de Salvo Venosa, que assim leciona, “verbis”: "Toda doação feita em vida pelo autor da herança a um de seus filhos presume-se como um adiantamento de herança. Nossa lei impõe aos descendentes sucessíveis o dever de colacionar. Estão livres dessa obrigação os demais herdeiros necessários, ao contrário de outras legislações. Os netos devem colacionar, quando representarem seus pais, na herança do avô, o mesmo que seus pais teriam de conferir. Contudo, não está o neto obrigado a colacionar o que recebeu de seu avô, sendo herdeiro seu pai, e não havendo representação."[1] (negritamos)

                                    Todavia, ainda que dispensada da colação, se essa liberalidade ou doação exceder a parte disponível, não poderá prevalecer, ante o disposto no art. 549 do Código Civil (antigo art. 1.176 do CC/16), que classifica como doação inoficiosa aquela que excede a cinqüenta por cento do patrimônio do doador que possui herdeiros necessários, vejamos, “verbis”: “Nula é também a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento.”.

                                    O doutrinador Arnaldo Rizzardo conceituando a doação inoficiosa, assim ensina-nos, “verbis”: “Se o testador possuir herdeiros necessários - descendentes ou ascendentes -, não poderá dispor, em testamento, de mais de metade da herança, ou seja, da chamada porção ou quota disponível. Em se tratando de doação, autoriza-se a liberalidade numa porção que vai até o limite da quota disponível, calculada entre o montante dos bens à época existentes. À essa doação que excede a meação disponível se dá o nome de inoficiosa, sendo absolutamente nula.[2] (negritamos)

                                    Por sua vez, o doutrinador Sílvio de Salvo Venosa, leciona, “verbis”: “O art. 549 comina com nulidade a doação cuja parte exceder a que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento. Trata-se da doação inoficiosa. Questão importante é calcular a metade disponível, ou seja, o montante que pode ser doado em cada oportunidade. A regra a ser seguida é, portanto, avaliar o patrimônio do doador, quando do ato. Se o montante doado não atinge a metade do patrimônio, não haverá nulidade.”[3].

                                    Os tribunais pátrios sobre o tema assim têm entendido: “Embora dispensada a colação do bem doado, este deve ser avaliado para a apuração de uma possível parte inoficiosa."[4]

                                    Isto pois, como disposto no art. 1.789 do Código Civil, “havendo herdeiros necessários, o testador só poderá dispor da metade da herança.”. E, a seu turno, o art. 1.846 do mesmo codex, dispõe que, “verbis”: “Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima.”

                                    Em assim sendo, a regra a ser seguida, portanto, é determinar a avaliação do patrimônio do doador para verificar a validade ou não do ato de liberalidade. Se o montante doado não atingir a metade do patrimônio, não haverá nulidade a ser declarada.

                                    Com efeito, a fim de se verificar a regularidade das doações efetuadas, faz-se necessário conhecer o patrimônio do doador por ocasião daqueles negócios jurídicos, para efeitos de aferição da observância, ou não, do limite legal, equivalente à chamada "metade disponível", ressaltando-se que, para tanto, deve-se levar em conta todos os bens do doador existentes na época da consolidação do negócio, considerando inclusive o valor dos próprios bens doados, abstraindo-se eventuais melhoramentos, valorizações ou depreciações porventura sofridos enquanto na posse dos donatários.

                                    Norte outro, oportuno mencionar o disposto no art. 548 do Código Civil, “verbis”: É nula a doação de todos os bens sem reserva de parte, ou renda suficiente para a subsistência do doador.” (negritamos)

                                      A respeito o doutrinador Washington de Barros Monteiro, com propriedade ensina-nos, “verbis”: O legislador não permite, pois, doação universal (omnium bonorum), compreensiva de todos os bens do doador; este há de reservar parte deles, ou, ao menos, de suas rendas, para garantir a respectiva manutenção. (...) Nula será, portanto, doação irrestrita, ainda que gravada, com o encargo de prover o donatário a subsistência do doador, enquanto viver; todavia, simples falta de reserva de usufruto não estabelece presunção de que o doador desprovido esteja de recursos para viver.” (negritamos)

                                      Entretanto, importante considerar que, possuindo o doador herdeiros necessários, diante dos dispositivos já citados, é forçoso reconhecer que as doações só poderão ser feitas da parte disponível de seu patrimônio, reservando-se, desta forma, a legítima de seus herdeiros necessários.


[1] - Direito Civil: Direito das Sucessões. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2003. p 362/365.
[2] - Contratos. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 340.
[3] - Sílvio de Salvo Venosa, Direito Civil - Direito das Sucessões -, 3ª ed., SP, Ed. Atlas, 2003, p. 119.
[4] - RT 503/105.

segunda-feira, 19 de março de 2012

DA TAXA DE FUNCIONAMENTO DOS CLUBES RECREATIVOS - BASE DE CÁLCULO - LEGALIDADE - PODER DE POLÍCIA DA MUNICIPALIDADE

                                      O Poder Público Municipal, via de regra, anualmente, estabelece um valor específico para os clubes recreativos para pagamento sobre a rubrica de taxa de funcionamento, como condição para posterior renovação do alvará de funcionamento.

                                      Ocorre que, para o cálculo do valor devido o Poder Público Municipal tem levado em consideração o horário de funcionamento e a área efetivamente utilizada pelo clube recreativo. Na cidade de Uberlândia a Lei nº 4016/83, em seu art. 6º preceitua que a base de cálculo da taxa de funcionamento é devida em função do custo estimado da atividade despendida com o exercício regular do poder de polícia, ou seja, refere-se a área efetivamente utilizada no exercício da atividade, que torna-se objeto de fiscalização pela municipalidade. Em outras palavras, a área aferida do clube recreativo.

                                      O mencionado art. 6º da Lei nº 4.016/83 dispõe que, “verbis”: “A base de cálculo das taxas de polícia administrativa do Município é o custo estimado da atividade despendida com o exercício regular do poder de polícia.”

                                      E, em seguida, o art. 7º do citado diploma legal, preceitua que, “verbis”: “O cálculo das taxas decorrentes do exercício do poder de polícia administrativa será procedido com base nas tabelas anexas, que acompanham cada espécie tributária a seguir, levando em conta os períodos, critérios e alíquotas nelas indicadas.”

                                      Oportuno, no momento, conceituarmos o termo taxa, objeto da presente análise. O doutrinador Hugo de Brito Machado, com a maestria que lhe é peculiar ensina-nos que, “verbis”: Taxa, em síntese, é espécie de tributo cujo fato gerador é o exercício regular do poder de polícia, ou o serviço público, prestado ou posto à disposição do contribuinte. Isto é o que se pode extrair do disposto no art. 145, inciso II, da Constituição Federal e no art. 77 do Código Tributário Nacional.”[1]

                                      O Código Tributário Nacional em seu art. 77 dispõe que, “verbis”: “As taxas são cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição.” (negritamos)

                                      Em sendo assim, tem-se que o fato gerador da taxa está vinculado ao exercício do regular poder de polícia ou da prestação de um serviço ou a mera colocação deste à disposição do contribuinte.

                                      “In casu” interessa-nos entender o que vem a ser o poder de polícia. Este vem disposto no art. 78 do CTN, que assim dispõe, “verbis”: “Considera-se poder de polícia a atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou a abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.”

                                      Deste modo,  exercendo o poder de polícia o Município impõe restrições aos interesses individuais em favor do interesse público, conciliando esses interesses, sendo importante destacar que, em decorrência da abrangência dos conceitos empregados, aquele é ilimitado. Isto é, desde que se possa vislumbrar um interesse público, pode o Município utilizar o seu poder de polícia para protegê-lo.

                                      Já, com relação à base de cálculo das taxas, geralmente estas são estabelecidas em quantias prefixadas, podendo, também, o legislador optar por indicar uma determinada base de cálculo.

                                       Convém mencionar o entendimento do já citado doutrinador Hugo de Brito Machado, sobre a base de cálculo das taxas, vejamos, “verbis”:

 “Embora não se disponha de critério para o exato dimensionamento da maioria das taxas, especialmente daquelas cujo fato gerador é o exercício do poder de polícia, é razoável o entendimento pelo qual o valor da taxa há de ser relacionado ao custo da atividade estatal à qual se vincula. A não ser assim, a taxa poderia terminar sendo verdadeiro imposto, na medida em que o seu valor fosse muito superior a esse custo.

Realmente, a especificidade da taxa reside em que seu fato gerador é uma atividade estatal específica relativa ao contribuinte. Essa idéia de vinculação do fato gerador da taxa a uma atividade estatal específica restaria inteiramente inútil se pudesse o legislador estabelecer critério para a determinação da taxa desvinculado totalmente do custo da atividade estatal á qual diz respeito.

(...)

Assim, portanto, o valor da taxa, seja fixado diretamente pela lei, seja estabelecido em função de algum critério naquela estabelecido, há de estar sempre relacionado com a atividade estatal específica que lhe constitui o fato gerador. Nada justifica uma taxa cuja arrecadação total em determinado período ultrapasse significativamente o custo da atividade estatal que lhe permite existir.” (negritamos)

                                      Com efeito, o valor da taxa deve corresponder ao efetivo custo da atividade exercida pelo Poder Público, ou seja, deve guardar relação com a atividade desenvolvida pelo fisco, não podendo assim guardar relação com bens do contribuinte, que serve de fundamento, tão somente, a tributação de impostos.

                                    Frise-se que, a vedação da identidade de base de cálculo para as taxas e impostos encontra previsão no art. 145, §2º, da Constituição Federal, que assim preceitua, “verbis”: 

Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

(...)

§2º. As taxas não poderão ter base de cálculo própria de impostos.” (negritamos)

                                      Deste modo, para o dimensionamento do montante devido em virtude da taxa, deve-se levar em conta, exclusivamente, o custo efetivo da atividade desenvolvida pelo ente tributante, não sendo possível levar em consideração elementos outros, como por exemplo, o metro quadrado do imóvel do contribuinte.

                                      Sobre o tema colacionamos o entendimento do doutrinador Hely Lopes Meirelles, que ao lecionar a respeito, ensina-nos, “verbis”:

“(...) na sistemática tributária instituída pela Emenda Constitucional 18/65, mantida pela vigente Constituição da República e disciplinada pelo mesmo Código Tributário, é absolutamente impossível atribuir-se à taxa fato gerador ou base de cálculo pertinente a imposto, sem descaracterizá-la como tal, sem transformá-la em imposto adicional ou em implemento indevido. Dessas considerações resulta que a base de cálculo da taxa deverá ser sempre o valor do serviço, real, presumido, estimado ou arbitrado, não sendo admissível, para a fixação do montante do tributo devido, levar em consideração elementos estranhos ao dimensionamento ou quantificação da utilização desse mesmo serviço, como o são os pertinentes aos impostos. Assim, são inconstitucionais as taxas de localização que tomem como base de cálculo o valor locativo ou a área do piso do estabelecimento.”[2] (negritamos)

                                      Destarte, ao nosso entendimento não se coaduna com a natureza do tributo, taxa, o cálculo a partir da área edificada ou efetivamente utilizada pelo contribuinte, na medida em que inexiste correlação entre o serviço efetivado e a prestação cobrada pelo Município.

                                      Frise-se, por oportuno que, entendemos que não existe correlação entre o serviço prestado pelo exercício do poder de polícia e o valor do tributo, que está sendo cobrado em decorrência de fatores totalmente estranhos ao conceito de taxa, já que toma como referência a área efetivamente utilizada.

                                      O critério utilizado pelo Município, como se verifica “in casu”, é ilegal, em nosso entendimento, porquanto deixa de considerar a especificidade dos serviços prestados e a proporcionalidade em relação ao seu custo, na forma como preconizada no citado art. 77 do CTN.

                                      Não obstante, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, julgando casos análogos ao presente, tem entendido, de forma majoritária, que o Município pode instituir a taxa de funcionamento atribuindo como base de cálculo o metro quadrado edificado, ou, efetivamente utilizado pelo contribuinte, não havendo assim, violação do disposto no §2º do art. 145 da CF.

                                      Destacamos alguns julgados do TJMG, senão vejamos:

"Tributário - Taxa de Fiscalização, Localização e Funcionamento - Metragem do imóvel - Fato que não implica inconstitucionalidade diante do art. 145, § 2º, da Constituição Federal. A área física do imóvel, no IPTU, constitui fator concorrente, enquanto, na taxa, representa ela fator único e exclusivo, sendo, portanto, duas situações tributárias distintas em suas origens e em suas finalidades."[3] (negritamos)

"Tributário. Taxa de Fiscalização Localização e Funcionamento. Taxa de Fiscalização Sanitária. A Base de cálculo das referidas taxas não possui identidade com a do IPTU. Legitimidade da cobrança. Em reexame, reforma-se a sentença para considerar legítima a cobrança das referidas taxas, prejudicado o recurso voluntário, com inversão da sucumbência."[4] (negritamos)

“EXECUÇÃO FISCAL - COBRANÇA DE TAXA DE FISCALIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO - FATO GERADOR - OCORRÊNCIA - CONSTITUCIONALIDADE. O Município tem legitimidade para a cobrança da taxa de Fiscalização de Licença e funcionamento. A base de cálculo do imposto é o valor venal, do qual a área do imóvel é componente menor, em comparação com os equipamentos urbanos, por exemplo. A base de cálculo da taxa, à sua vez, é a área do imóvel, que mensura, de forma satisfatória (embora não a ideal), o trabalho exercitado pelo poder de polícia municipal. Se a Administração Pública possui órgão fiscalizador, demonstrativo do exercício regular do poder de polícia e da prestação dos serviços em potencial, é desnecessária a prova de atos específicos, para que a cobrança da taxa de torne legítima. Basta a certeza da existência do aparelho fiscalizador com potencial para o desempenho de suas atividades."[5] (negritamos) 

"TRIBUTÁRIO - DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA - CERCEAMENTO DE DEFESA - NÃO OCORRÊNCIA - TAXA DE LICENÇA DE LOCALIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO - MUNICÍPIO DE MONTE SIÃO - LEI COMPLEMENTAR MUNICIPAL Nº 7/2000 - ILEGALIDADE - BASE DE CÁLCULO - CRITÉRIO DE AFERIÇÃO DA INTENSIDADE E DA EXTENSÃO DO SERVIÇO PRESTADO - ELEMENTO DE CÁLCULO - ADMISSIBILIDADE - INEXISTÊNCIA DE OFENSA AOS ARTIGOS 145, II, E 150, II E IV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E AOS ARTIGOS 77 e 78 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. (...) 2- A taxa é vinculada a serviço público, ou ao exercício do poder de polícia. 3- A jurisprudência tem reconhecido a legitimidade da exigência, anualmente renovável, pelos Municípios, da taxa de licença de localização e funcionamento, pelo exercício do poder de polícia. Lançamento em renovação que é admissível, pois se trata de prestação de serviços de fiscalização que decorrem da própria existência do Estado organizado, competente para o exercício do poder de polícia, em termos de saúde, segurança e tranqüilidade públicas. 4- "Consoante orientação traçada pelo Supremo Tribunal Federal, a cobrança da taxa de localização e funcionamento, pelo Município, prescinde da comprovação da atividade fiscalizadora, face à notoriedade do exercício do poder de polícia pelo aparato da Municipalidade". (STJ- RESP 282474/SP). 5- É legal a mensuração do valor da taxa de localização e funcionamento que, criada por lei, leva em conta na composição da base de cálculo a área do imóvel e o número de máquinas existentes na indústria de malharia. Custo da atividade estatal, do serviço prestado, regularmente definido. 6- A base de cálculo da taxa de Fiscalização e funcionamento, mesmo se valendo da área de imóvel, não pode ser considerada idêntica à do IPTU, já que o valor venal do imóvel, não obstante ter a área como um de seus componentes, nela não se baseia exclusivamente."[6] (negritamos)

                                      Por sua vez, o Superior Tribunal de Justiça ao julgar casos em que havia o questionamento da legalidade da taxa de funcionamento e localização, reconhecia a sua ilegalidade, tendo sumulado a questão conforme a redação da Súmula nº 157, “verbis”: "É ilegítima a cobrança de taxa, pelo Município, na renovação de licença para localização de estabelecimento comercial ou industrial." (negritamos)

                                      Ocorre que, posteriormente o Supremo Tribunal Federal entendeu ser legítima a cobrança da taxa de funcionamento e localização, ensejando, assim, uma reformulação no entendimento do Superior Tribunal de Justiça, que passou a reconhecer a possibilidade da cobrança das sobreditas taxas, conforme denota-se da ementa abaixo transcrita, senão vejamos:

“TRIBUTÁRIO. TAXA DE LOCALIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO. LICENÇA. RENOVAÇÃO. LEGITIMIDADE.
1. É legítima a cobrança da taxa de localização e funcionamento para
a renovação da licença concedida a estabelecimentos comerciais e industriais, em razão do exercício do poder de polícia pelo
município. Precedente do STF e da Segunda Turma.
2. Cancelamento da Súmula 157/STJ (REsp 261.571/SP).
3. Recurso especial provido.” [7]

                                      No mesmo sentido existem julgados do Supremo Tribunal Federal, confira-se:

"MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE. TAXA DE FISCALIZAÇÃO, LOCALIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO. ALEGADA OFENSA AO ART. 145, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO. Exação fiscal cobrada como contrapartida ao exercício do poder de polícia, sendo calculada em razão da área fiscalizada, dado adequadamente utilizado como critério de aferição da intensidade e da extensão do serviço prestado, não podendo ser confundido com qualquer dos fatores que entram na composição da base de cálculo do IPTU, razão pela qual não se pode ter por ofensivo ao dispositivo constitucional em referência, que veda a bitributação. Serviço que, no caso, justamente em razão do mencionado critério pode ser referido a cada contribuinte em particular, e de modo divisível, porque em ordem a permitir uma medida tanto quanto possível justa, em termos de contraprestação. Recurso não conhecido."[8]

                                      Diante ao exposto, conclui-se que, não obstante seja questionável a forma pela qual o Município vem efetuando o cálculo da taxa de funcionamento, vez que toma como parâmetro o metro quadrado efetivamente utilizado pelo clube no exercício das atividades permitidas pela municipalidade, os tribunais do Estado de Minas Gerais, e, superiores, têm entendido que a cobrança, da forma em que é feita pelo fisco municipal está em estrita observância dos dispositivos legais aplicáveis à espécie.

                                      Acrescente-se, ainda, nosso entendimento, como alhures já mencionado, não existe correlação entre o serviço prestado pelo exercício do poder de polícia e o valor do tributo, que está sendo cobrado em decorrência de fatores totalmente estranhos ao conceito de taxa, já que toma como referência a área efetivamente utilizada.






[1] - Curso de Direito Tributário, 17ª edição. Malheiros: São Paulo, 2000, pg. 340.
[2] - Direito Municipal Brasileiro, 4ª edição, Malheiros: São Paulo, pg. 227.
[3] - 2ª CC, Embargos Infringentes n.º 202.007-1, rel. Des. Abreu Leite, j. 16.10.01, "DJ" 23.11.01.
[4] - 2ª CC, Apelação Cível n.º 216.428-3, rel. Des. Murilo Pereira, j. 9.10.01, "DJ" 20.11.01.
[5] - TJMG – Ap. Cível nº 1.0024.02.879433-7/001, rel. Des. Wander Marotta, pub. 28/05/2004.
[6] - Apelação Cível n. 1.0434.05.001275-7/001 - Comarca de Monte Sião - 6ª Câmara Cível do TJMG - Relator: Des. Mauricio Barros - Data do Julgamento: 10/10/2006.
[7] - STJ, REsp. 922853/SP. 2ª Turma. Min. Castro Meira. Data do Julgamento: 27/06/2007.
[8] - RE 220316/MG, Min. Ilmar Galvão, Data do Julgamento: 29/06/01.

sexta-feira, 9 de março de 2012

DA RESPONSABILIDADE DO COMPRADOR E VENDEDOR EM FACE DO PAGAMENTO DAS TAXAS CONDOMINIAIS

                                        A responsabilidade pelo pagamento das taxas condominiais vencidas, nos casos de compra e venda ou de adjudicação de imóveis em condomínio edilício ou, loteamento fechados, tem sido ponto de debate tanto na doutrina, como na jurisprudência, não havendo, ainda, um entendimento unânime sobre essa questão.

                                      Sobre o tema entendemos que existe entre o comprador e o vendedor responsabilidade solidária pelo pagamento das taxas condominiais inadimplidas antes da celebração do contrato de compra e venda, ou ainda, anteriores à própria adjudicação, decorrente de processo executivo.

                                      A obrigação solidária, segundo o insigne doutrinador Sílvio de Salvo Venosa, pode ser assim entendida como sendo aquela em que “a totalidade de seu objeto pode ser reclamada por qualquer dos credores ou qualquer dos devedores.”[1].

                                      É cediço que a obrigação solidária é excepcional, na medida em que não se presume, sendo prevista em lei ou, decorrente da vontade expressa das partes, como previsto no art. 896 do Código Civil, “verbis”: “A solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes.”.

                                      O condômino é obrigado a efetuar o pagamento das despesas do condomínio, na proporção de sua parte, visando a conservação das áreas comuns, sendo certo que o art. 1.315 do Código Civil preceitua sobredita obrigação, assim dispondo, “verbis”: O condômino é obrigado, na proporção de sua parte, a concorrer para as despesas de conservação ou divisão da coisa, e a suportar o ônus a que estiver sujeita.” (negritamos)

                                      De igual modo, o art. 12 da Lei nº 4.591/64, assim menciona, “verbis”: “Cada condômino concorrerá nas despesas do condomínio, recolhendo, nos prazos previstos na Convenção, a quota-parte que lhe couber em rateio.”

                                      Em assim sendo, necessário transcrever o disposto no parágrafo único do art. 4º da Lei nº 4.591/64, “verbis”:

Art. 4º. A alienação de cada unidade, a transferência de direitos pertinentes à sua aquisição e a constituição de direitos reais sôbre ela independerão do consentimento dos condôminos.  
 Parágrafo único - A alienação ou transferência de direitos de que trata este artigo dependerá de prova de quitação das obrigações do alienante para com o respectivo condomínio.” (negritamos)

                                                  Ademais, importa ressaltar o ensinamento do doutrinador César Fiúza, ao lecionar sobre a taxa condominial, ora em comento, “verbis”: "São obrigações que surgem em função de um direito real. Por exemplo, se sou dono de imóvel, terei a obrigação de pagar IPTU, que surge pelo simples fato de ser dono do imóvel. Ao direito real de propriedade corresponde a obrigação de pagar IPTU, obrigação propter rem. A obrigação de pagar taxa de condomínio, IPVA etc. também entram neste rol."[2] (negritamos)

                                   Necessária, porque pertinente ao tema, a lição do ilustre doutrinador Eduardo Sócrates Sarmento Filho, sobre a obrigação “propter rem”, vejamos, “verbis”: Na obrigação propter rem o devedor é identificado em virtude de uma relação de direito real que mantém com a coisa, de tal forma que, se houver transmissão de direito, seja por cessão, venda ou sub-rogação, a obrigação irá incumbir ao adquirente do Direito.”[3] (negritamos)

                                   Com efeito, admitindo-se que as taxas condominiais possuem natureza jurídica de uma verdadeira obrigação real, isto é, inerente à própria coisa, e, sendo a prova de quitação destas obrigações uma exigência legal, “ex vi” do disposto no parágrafo único do art. 4º da Lei nº 4.591/64, o comprador assume o risco de ter de efetuar o pagamento das taxas condominiais já vencidas, como previsto no art. 1.345 do CC, “verbis”: "O adquirente de unidade responde pelos débitos do alienante, em relação ao condomínio, inclusive multas e juros moratórios".

                                   Deste modo, a cobrança das obrigações de natureza propter rem pode ter como parte legítima no pólo passivo da relação processual o atual proprietário do imóvel ou, ainda os que o sucederem nesta condição. Ressalte-se que, aqui existe o interesse de toda a coletividade de condôminos no recebimento do valor devido, sendo certo que, o comprador não pode se beneficiar da violação do disposto no citado parágrafo único do art. 4º da Lei nº 4.591/64.

                                   Ademais, a responsabilidade pelo pagamento das taxas condominiais em atraso e vincendas no curso de eventual ação de cobrança, é solidária entre o comprador e vendedor, resguardado o direito de regresso daquele em desfavor deste.

                                   Destaque-se que, essa responsabilidade independe do efetivo registro da escritura pública de compra e venda ou contrato promessa de compra e venda, bastando, tão somente, que o comprador esteja na posse do imóvel, exercendo uso e gozo, atributos inerentes à propriedade.

                                   O Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, prestando a jurisdição em caso análogo ao tema proposto, assim já decidiu, vejamos:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. TAXAS CONDOMINIAIS. LEGITIMIDADE PASSIVA. DEVER DE PAGAMENTO - ART. 1315 DO CC/02 (ART. 624 DO CC/16) E ART. 12 DA LEI N. 4591/64 - INEXISTÊNCIA DA PROVA DE QUITAÇÃO - ÔNUS PROCESSUAL - ART. 333. INC. II DO CPC.Estando a parte demandada no uso, gozo e fruição da unidade autônoma, ainda que não tenha havido a formalização da compra e venda perante o Cartório de Registro de Imóveis, a ela cabe responder pelas obrigações condominiais. O condômino tem, nos exatos termos dos artigos 1315 do CC/2002, e 12 da Lei 4.591/64, a obrigação de pagar as taxas condominiais.” [4]

COBRANÇA - TAXAS CONDOMINIAIS - OBRIGAÇÃO PROPTER REM - LEGITIMIDADE PASSIVA - PROMESSA DE COMPRA E VENDA - OBRIGAÇÃO DO ADQUIRENTE. Tratando-se a taxa condominial uma obrigação propter rem, pode ser cobrada tanto do proprietário como do promissário vendedor, pois o interesse prevalecente é o da coletividade de receber os recursos para o pagamento de despesas indispensáveis e inadiáveis, podendo o credor escolher o que mais prontamente poderá cumprir com a obrigação, ficando ressalvado ao adquirente o direito de interpor ação regressiva em face do alienante, a fim de reaver tais valores, sob pena de enriquecimento ilícito por parte deste.”[5]

                                   De igual modo, é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, confira-se:

“CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CONDOMÍNIO. COBRANÇA DE TAXAS CONDOMINIAIS. LEGITIMIDADE PASSIVA.
Somente quando já tenha recebido as chaves e passado a ter assim a disponibilidade da posse, do uso e do gozo da coisa, é que se reconhece legitimidade passiva ao promitente comprador de unidade autônoma quanto às obrigações respeitantes aos encargos condominiais, ainda que não tenha havido o registro do contrato de promessa de compra e venda.
Sem que tenha ocorrido essa demonstração, não há como se reconhecer a ilegitimidade da pessoa em nome de quem a unidade autônoma esteja registrada no livro imobiliário. Precedentes. Recurso especial conhecido pelo dissídio, mas improvido.”[6].

"CONDOMÍNIO - DESPESAS - AÇÃO DE COBRANÇA - LEGITIMIDADE PASSIVA - A ação de cobrança de quotas condominiais pode ser proposta tanto contra o proprietário como contra o promissário comprador, pois o interesse prevalente é o da coletividade de receber os recursos para o pagamento de despesas indispensáveis e inadiáveis, podendo o credor escolher, - entre aqueles que tenham uma relação jurídica vinculada ao imóvel (proprietário, possuidor, promissário comprador, etc.), - o que mais prontamente poderá cumprir com a obrigação, ressalvado a este o direito regressivo contra quem entenda responsável. - Ação promovida contra o proprietário. Recurso conhecido, mas improvido."[7]

"PROCESSUAL CIVIL E CIVIL - CONDOMÍNIO - TAXAS CONDOMINIAIS - LEGITIMIDADE PASSIVA - ADJUDICAÇÃO - ADQUIRENTE - RECURSO NÃO CONHECIDO. 1 - Na linha da orientação adotada por esta Corte, o adquirente, em adjudicação, responde pelos encargos condominiais incidentes sobre o imóvel adjudicado, tendo em vista a natureza propter rem das cotas condominiais."[8]

                                   Desta feita, considerando o contido nos dispositivos legais acima mencionados, bem como o entendimento jurisprudencial colacionado, ainda que não seja unânime, entendemos que a responsabilidade pelo pagamento das taxas condominiais, em caso de venda do imóvel, é solidária entre o comprador e o vendedor, porquanto trata-se de uma obrigação “propter rem”, incidente sobre o imóvel.


[1] - Direito Civil. Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos. Vol. 2. 3ª edição. Editora Atlas: São Paulo, 2003, pg. 129.
[2] - Direito Civil: Curso Completo, 3ª edição, página 164.
[3] - Seleções Jurídicas COAD, Novembro de 1998, pág. 09.
[4] - TJMG, Apelação Cível nº 1.0024.06.126566-6/001. 11ª Câmara Cível. Relator Des. Afrânio Vilela. Data do Julgamento: 22/08/2007.
[5] - TJMG, Apelação Cível n° 1.0024.03.044898-9/001. 18ª Câmara Cível. Relator Des. Guilherme Luciano Baeta Nunes. Data do Julgamento: 14/11/2006.
[6] - STJ, Resp. 660.229/SP, Quarta Turma, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ de 14/03/2005.
[7] - STJ. RESP 223282/SC. Quarta Turma. Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar. DJU 28.05.2001, pág. 00162.
[8] - STJ. RESP nº 829312/RS. Quarta Turma. Rel. Min. Jorge Scartezzini. DJ 26.06.2006, p. 170.