Inicialmente, faz-se necessário para melhor entendimento da questão posta em discussão conceituar o instituto da doação.
O contrato de doação implica na transferência gratuita por parte de um titular de patrimônio para outra pessoa, ainda em vida. Trata-se de uma liberalidade, um ato gracioso executado pelo proprietário de bens, no exercício do poder de disposição de seu patrimônio.
O art. 538 do Código Civil conceitua a doação como sendo, “verbis”: “Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra.”
Assim, a doutrina tem entendido que a doação tem como características a natureza contratual, o ânimo de fazer uma liberalidade, a translação de algum direito do patrimônio do doador para o donatário e a aceitação deste.
Estando definido o instituto da doação, necessário se faz a análise da situação fática posta sob análise, qual seja, a doação de ascendentes à descendentes (filhos e netos).
Sobre o tema, o art. 544 do Código Civil assim preceitua, “verbis”: “A doação de ascendentes a descendentes, ou de um cônjuge a outro, importa adiantamento do que lhes cabe por herança.”
Conforme os ditames do art. 544 do Código Civil, a doação feita por ascendentes a descendentes tem efeito de adiantamento de legítima ou de herança. Destarte, o descendente que recebe bens de seu ascendente direto, a título gratuito, deverá colacioná-los no inventário do doador, para que tal patrimônio recebido seja descontado da parte cabível no monte hereditário.
Assim dispõe o art. 2.002 do Código Civil, “verbis”: “Os descendentes que concorrerem à sucessão do ascendente comum são obrigados, para igualar as legítimas, a conferir o valor das doações que dele em vida receberam, sob pena de sonegação.” (negritamos)
E, no parágrafo único do dispositivo legal em comento, tem-se, “verbis”: “Para cálculo da legítima, o valor dos bens conferidos será computado na parte indisponível, sem aumentar a disponível.”
Colação é sinônimo jurídico de conferência de bens no processo de inventário e a sua finalidade é obter a igualdade das legítimas, em face do sistema jurídico sucessório de proteção a herança que compete aos herdeiros necessários.
Entretanto, o dever de colacionar bens, admite exceções. É o que pode se concluir da leitura do art. 2.005 “caput” e seu parágrafo único, do Código Civil, “verbis”:
“Art. 2.005 – São dispensadas da colação as doações que o doador determinar saiam da parte disponível, contanto que não excedam, computado o seu valor ao tempo da doação.
Parágrafo único. Presume-se imputada na parte disponível a liberalidade feita a descendente que, ao tempo do ato, não seria chamado à sucessão na qualidade de herdeiro necessário.” (negritamos)
Desta forma, em face dos dispositivos legais acima mencionados, forçoso concluir que, atualmente, a doação feita a netos, cujos pais sejam herdeiros da doadora, além de não caracterizar adiantamento de herança, não necessita ser colacionada nos autos do inventário do doador, visando à prestação de contas aos demais herdeiros.
Este aliás, o ensinamento do insigne doutrinador Sílvio de Salvo Venosa, que assim leciona, “verbis”: "Toda doação feita em vida pelo autor da herança a um de seus filhos presume-se como um adiantamento de herança. Nossa lei impõe aos descendentes sucessíveis o dever de colacionar. Estão livres dessa obrigação os demais herdeiros necessários, ao contrário de outras legislações. Os netos devem colacionar, quando representarem seus pais, na herança do avô, o mesmo que seus pais teriam de conferir. Contudo, não está o neto obrigado a colacionar o que recebeu de seu avô, sendo herdeiro seu pai, e não havendo representação."[1] (negritamos)
Todavia, ainda que dispensada da colação, se essa liberalidade ou doação exceder a parte disponível, não poderá prevalecer, ante o disposto no art. 549 do Código Civil (antigo art. 1.176 do CC/16), que classifica como doação inoficiosa aquela que excede a cinqüenta por cento do patrimônio do doador que possui herdeiros necessários, vejamos, “verbis”: “Nula é também a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento.”.
O doutrinador Arnaldo Rizzardo conceituando a doação inoficiosa, assim ensina-nos, “verbis”: “Se o testador possuir herdeiros necessários - descendentes ou ascendentes -, não poderá dispor, em testamento, de mais de metade da herança, ou seja, da chamada porção ou quota disponível. Em se tratando de doação, autoriza-se a liberalidade numa porção que vai até o limite da quota disponível, calculada entre o montante dos bens à época existentes. À essa doação que excede a meação disponível se dá o nome de inoficiosa, sendo absolutamente nula.”[2] (negritamos)
Por sua vez, o doutrinador Sílvio de Salvo Venosa, leciona, “verbis”: “O art. 549 comina com nulidade a doação cuja parte exceder a que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento. Trata-se da doação inoficiosa. Questão importante é calcular a metade disponível, ou seja, o montante que pode ser doado em cada oportunidade. A regra a ser seguida é, portanto, avaliar o patrimônio do doador, quando do ato. Se o montante doado não atinge a metade do patrimônio, não haverá nulidade.”[3].
Os tribunais pátrios sobre o tema assim têm entendido: “Embora dispensada a colação do bem doado, este deve ser avaliado para a apuração de uma possível parte inoficiosa."[4]
Isto pois, como disposto no art. 1.789 do Código Civil, “havendo herdeiros necessários, o testador só poderá dispor da metade da herança.”. E, a seu turno, o art. 1.846 do mesmo codex, dispõe que, “verbis”: “Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima.”
Em assim sendo, a regra a ser seguida, portanto, é determinar a avaliação do patrimônio do doador para verificar a validade ou não do ato de liberalidade. Se o montante doado não atingir a metade do patrimônio, não haverá nulidade a ser declarada.
Com efeito, a fim de se verificar a regularidade das doações efetuadas, faz-se necessário conhecer o patrimônio do doador por ocasião daqueles negócios jurídicos, para efeitos de aferição da observância, ou não, do limite legal, equivalente à chamada "metade disponível", ressaltando-se que, para tanto, deve-se levar em conta todos os bens do doador existentes na época da consolidação do negócio, considerando inclusive o valor dos próprios bens doados, abstraindo-se eventuais melhoramentos, valorizações ou depreciações porventura sofridos enquanto na posse dos donatários.
Norte outro, oportuno mencionar o disposto no art. 548 do Código Civil, “verbis”: “É nula a doação de todos os bens sem reserva de parte, ou renda suficiente para a subsistência do doador.” (negritamos)
A respeito o doutrinador Washington de Barros Monteiro, com propriedade ensina-nos, “verbis”: “O legislador não permite, pois, doação universal (omnium bonorum), compreensiva de todos os bens do doador; este há de reservar parte deles, ou, ao menos, de suas rendas, para garantir a respectiva manutenção. (...) Nula será, portanto, doação irrestrita, ainda que gravada, com o encargo de prover o donatário a subsistência do doador, enquanto viver; todavia, simples falta de reserva de usufruto não estabelece presunção de que o doador desprovido esteja de recursos para viver.” (negritamos)
Entretanto, importante considerar que, possuindo o doador herdeiros necessários, diante dos dispositivos já citados, é forçoso reconhecer que as doações só poderão ser feitas da parte disponível de seu patrimônio, reservando-se, desta forma, a legítima de seus herdeiros necessários.